(Foto: Divulgação/Direitos Reservados)

Reportagem: Karina Cabral, O Livre.

Em 2013, concursada do Governo há nove anos, a farmacêutica bioquímica Tatiane Barbieri estava a ponto de pedir a exoneração por se sentir insatisfeita com seu desempenho. Ela amava trabalhar, mas sentia que aquele não era seu lugar e que podia fazer mais.

Com um curso de coaching recém-concluído, ela queria mudar não só a si mesma, mas a todos os servidores públicos, possibilitando que eles também fizessem mais e sentissem prazer em se dedicar ao trabalho. Assim começou a batalha, quase solitária, de Tatiane para transformar a cultura do setor público, começando por Mato Grosso.

“Todo servidor público se sente desvalorizado e sofre por não poder terminar seus projetos. A falta de reconhecimento é muito forte. E as pessoas não gostam da fama que vem por causa do histórico do setor. ‘Servidor público não trabalha’, quando a gente escuta isso, desanima”, disse Tatiane.

“Todo servidor público se sente desvalorizado e sofre por não poder terminar seus projetos. A falta de reconhecimento é muito forte”

Com o curso de coaching, Barbieri percebeu que o certo era não desistir e agir de forma diferente para mudar esse rótulo. Ela resolveu se transformar, para mudar sua história e a de tudo a seu redor.

“Porque em todo lugar há desafios – e sou eu quem precisa mudar, para vencê-los. Eu também era insatisfeita na questão da minha profissão, sempre faltava alguma coisa. Quando conheci o coaching, tive a oportunidade de entender o comportamento humano e aplicar todas as ferramentas na minha vida. Daí, quando vi que dava resultado, falei: ‘Nossa, preciso compartilhar isso’”.

Ela era formada, tinha passado pelo setor privado e já tinha trabalhado nas três esferas de governo: federal (ficou no exército de 2004 a 2010), municipal (foi concursada da prefeitura de Várzea Grande) e estadual (concursada no governo) e conhecia bem o que tinha de diferente em cada uma.

Ela sabia que dentro das esferas públicas tinham pessoas muito competentes e que faziam a diferença. Mas se perguntava como iria motivar o servidor público, afinal, no setor privado há premiações e remunerações extras, porém ela não encontrava o que poderia ser feito no setor público.

Até que em uma formação de liderança e coaching em Ohio, nos Estados Unidos, ela viu uma pesquisa que falava que o salário não era a primeira questão dentro das instituições.

“Aquela pesquisa fez com que minha mente abrisse, porque a primeira coisa que todos os funcionários e colaboradores, mesmo das empresas privadas, querem é qualidade de vida, depois flexibilidade de horários e em terceiro vem o dinheiro. Ai eu falei: ‘nossa, é isso’”.

Ela passou a se perguntar como trabalhar com qualidade de vida e decidiu que a resposta seria fazer com que o servidor público entendesse que se produzisse mais, estaria superando suas próprias expectativas, o que traria um sentimento de bem-estar, poder, realização e superação, coisas que o dinheiro não compraria.

O Livre

Tatiane Barbieri

Tatiane Barbieri: servidor se sente frustrado por não poder concluir projetos

Quando Tatiane percebeu que para mudar o serviço público ela precisaria mudar as atitudes, decidiu começar a insistir em seu grande sonho: implantar o coaching nas secretarias. Mas não foi fácil, foram dois anos ouvindo nãos.

“Eu estava apaixonada pelo coaching, eu tinha feito a formação e eu queria implantar, só que ai você pedia pro seu superior, ele aceitava, quando estava tudo pronto mudava o superior e a pessoa não acreditava. Fiquei dois anos tentando implantar, pedindo”.

O coaching em 2013 ainda era uma ideia nova, o que fez com que a aceitação não fosse imediata. O superintendente da escola de governo da Secretaria de Estado de Gestão, Jefferson Luís Daltro Monteiro da Silva, gostou da ideia e começou a construir um projeto junto a Tatiane. Porém, ela não conseguiu a liberação da secretaria de Saúde, onde era concursada, para seguir com o projeto.

Impossibilitada de levar a todos os órgãos, ela resolveu tentar implantar o coaching na secretaria de Saúde. Porém, mais uma vez, ela foi desencorajada e não conseguiu realizar o projeto.

Em 2015, com a entrada do governador Pedro Taques no Palácio Paiaguás, Tatiane viu sua grande oportunidade com o slogan no Governo: “Mato Grosso, Estado de transformação”.

“Quando eu vi aquilo, eu falei: ‘como que se muda um Estado? Através das pessoas. Não tem outra forma de mudar’. Porque você pode ter tecnologia de ponta, pode ter mapeamento de todos os processos, se você não tiver pessoas para alimentar, que vão fazer o que precisa ser feito para o resto funcionar, não resolve”, disse.

Saturada do seu trabalho, que nesse momento era na farmácia judicial do Fórum e começando a ficar depressiva por não conseguir entregar mais, Tatiane resolveu pedir para sair.

“Eu chorei, porque eu queria entregar mais, mas não conseguia. E estava me incomodando, porque eu prezo muito por resultado. Ali eu tive uma grande lição, não tem ninguém ruim, o negócio é que às vezes a gente está fazendo aquilo que a gente não tem habilidade para fazer, não tem como tirar leite de pedra, as pessoas só podem dar o que elas têm”, afirmou.

“Não tem ninguém ruim, o negócio é que às vezes a gente está fazendo aquilo que a gente não tem habilidade para fazer, não tem como tirar leite de pedra, as pessoas só podem dar o que elas têm”

No momento que estava prestes a ser exonerada como havia pedido, ela resolveu tentar mais uma vez, procurando o Recursos Humanos da secretaria de Gestão. Barbieri foi apresentada para o superintendente da escola de Governo, Joelson Matoso, que apoiou o projeto.

Ainda tentando ser liberada pela secretaria de Saúde, eles foram até a Casa Civil. Lá, quem assessorava o chefe da Casa Civil, à época Paulo Taques, era o Jefferson Luís Daltro Monteiro da Silva, o primeiro apoiador da ideia de Tatiane lá em 2013.

Ela foi apresentada para o secretário e, por coincidência, o governador também estava no órgão e recebeu a coach.

“Quando eu falei para ele [Taques] o meu projeto, ele falou: ‘Tati, eu quero que você comece aqui, pela Casa Civil’. E já começou o despacho então para me ceder da secretaria de Saúde para a secretaria de Gestão”, contou.

Com o aval do governador, ela deu início ao projeto-piloto, na Superintendência de Gestão de Pessoas e Desenvolvimento Organizacional da secretaria de Gestão. Na Seges, o coaching foi realizado com 20 alunos, em oito dias inteiros de aula.

Com o sucesso, ela teve autorização para continuar e a primeira turma oficial foi na Casa Civil, como Taques havia pedido.

 

“E os resultados foram incríveis. Eu nem tinha feito o segundo módulo e já tinha fila de espera, todo mundo querendo fazer. Aí eu tive que reformular o programa para, ao invés de fazer com oito dias, fazer em quatro, sem perder o resultado final”.

A procura foi cada vez maior. Em dois anos de projeto, mais de 20 secretarias do Estado foram contempladas. Iniciando a 19ª turma, até o momento 420 gestores já passaram pelo processo de coaching.

A intenção, segundo Barbieri, é que todos os líderes dentro das secretarias passem pelo processo. Ela acredita que, quando todos se unem em busca do mesmo objetivo, progredir, as ideias ganham mais força e o resultado chega mais rápido.

Na prática, após o processo, as pessoas mudam a forma de enxergar a realidade e se tornam líderes reais, com comportamentos que um verdadeiro líder precisa ter.

“É uma pessoa que entrega mais do que o esperado, que surpreende, que tem qualidade nos seus processos, uma pessoa totalmente voltada para soluções e resultados, que consegue dar feedbacks positivos, que consegue desenvolver equipes. Você começa a entender como funciona o comportamento humano e passa a ter influência para criar um ambiente que produza resultados, como você gostaria”, afirmou Tatiane.

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Tatiane Barbieri

Em janeiro, o projeto de Tatiane foi destaque na revista Exame

Em janeiro, Mato Grosso foi destaque na revista Exame pelo trabalho realizado com o coaching na gestão pública. Na reportagem, o Estado foi citado como exemplo pela produtividade e qualidade do serviço.

Tatiane disse que se sente orgulhosa de ver seu projeto se tornar exemplo para o Brasil e que nunca imaginou que tomaria tamanha proporção. Ela acredita que encontrou o segredo do sucesso, tanto na gestão pública, quanto na vida: a persistência.

“O problema das pessoas que não tem sucesso é porque elas desistem, não porque elas fracassam. Porque nessa minha jornada eu fracassei muitas vezes, foram dois anos recebendo nãos, mas eu não desisti”

“O sucesso está disponível para mim e para você. A diferença de quem vai alcançar é a persistência, porque o sucesso vai chegar, mas você precisa persistir. O problema das pessoas que não têm sucesso é porque elas desistem, não porque elas fracassam. Porque nessa minha jornada eu fracassei muitas vezes, foram dois anos recebendo nãos, mas eu não desisti”, disse a coach.

Atualmente, além das palestras com duração de duas horas, a “feliz da vida em seu ambiente de trabalho”, Tatiane também está escrevendo um livro, que deverá ser lançado ainda no primeiro semestre deste ano, falando sobre a transformação da cultura e do poder do coaching.

O sonho de Tatiane em Mato Grosso já está em processo de realização, mas ela quer mais. “Eu tenho um sonho, eu quero transformar a cultura do setor público”, disse, acrescentando que isso ultrapassa as barreiras do Estado.

Nessa primeira etapa do seu trabalho, Tatiane destacou a importância do apoio que recebeu da secretaria de gestão, nas mãos de Julio Modesto, e também da Escola de Governo para realizar esse trabalho. “Inúmeras pessoas abraçaram a nossa causa e hoje não arrisco citar todos os nomes com receio de esquecer alguém e tenho muita gratidão por cada um”, finalizou.